Biografia de Ariani Sá

Em uma noite de quinta-feira, dia 05 de abril de 1962, às 21h35min abri meus olhos pela primeira vez para esse mundo, sou ariana, pessoa muito franca, às vezes ácida em falas e pensamentos, digo o que penso seja para quem for; senso de justiça é marcante na minha personalidade e também uma dose sobremaneira de generosidade, sou altruísta e corajosa por natureza.

Sou natural da capital terra branca, da cidade Sem Limites, sim sou da nata de Bauru, nasci na vila Cardia, sou filha de Adalete Queiroz Sá e Alexandrino Vieira Sá, ambos falecidos; sou caçula de três irmãos, Aldayr (falecida em 2013), Angélica e Carlos, tia de quatro sobrinhos lindos Carlos Jr., Thiago, Lucas e Ana Laura e sou tia-avó da Ana Beatriz, Davi e Dimitri.

Aos dois anos de idade fui vitimada pelo famigerado vírus da paralisia-infantil, aí começou minha militância, minha luta pessoal para sobreviver, sim, o vírus da paralisia infantil quando não mata, deixa sequelas musculares para o resto da vida. Não tomei a vacina, não por relaxo dos meus pais, mas naquela época não era como hoje que temos campanhas de prevenção, as vacinas eram poucas e aconteciam vacinações com datas aleatórias, e as duas vezes que houve a vacinação eu não pude tomar, porque eu tinha menos de seis meses de vida e na outra vacinação eu estava com gripe e muita febre, não quiseram aplicar, aí após seis meses o vírus se manifestou.

Os quinze dias do meu segundo ano de vida, passei internada no hospital das clínicas em São Paulo para conter o vírus, para que o mesmo não apagasse os neurônios de outras musculaturas além dos que já havia atingido da perna direita, onde já era evidente a fraqueza muscular. A partir daí começou a saga para tentar recuperar a musculatura e prevenir a perda da musculatura do quadril, foi muita fisioterapia, choques eletrostáticos, muita oração e crendices também, foram banhos de ervas, rezas de benzedeiras, muito sebo de carneiro na perna direita. O tempo passou quando completei cinco anos mudamos para o bairro Bela Vista, também nesse mesmo ano o ortopedista era o professor Guimarães, recomendou que eu usasse aparelho ortopédico com cinturão pélvico, para que eu conseguisse andar, eu não tinha andado até então, e assim foi, meus primeiros passos aconteceram após dois meses da recomendação do médico, quando o “aparelho” ficou pronto.

Eu tinha apenas cinco anos, mas me lembro bem da sensação estranha de enxergar a sala de casa, olhando o sofá, a mesinha de centro de cima para baixo, eu não precisava mais “escalar” o sofá para me sentar, até então me locomovia pela casa engatinhando, não sei definir a sensação se foi boa ou ruim, foi apenas diferente. O “aparelho” era pesado, tinha as laterais de alumínio que ficavam acopladas a bota com uma palmilha de cinco centímetros de altura para compensar o encurtamento da perna direita, minha perna se firmava dentro do aparelho amarrada por correias de couros, e no joelho tinha a joelheira que era côncava e na parte de alumínio tinham duas travas que quando suspensas permitiam que eu dobrasse a perna, e na altura do quadril quando ia sentar tinha também que soltar a trava do cinturão pélvico, esta foi a primeira forma que aprendi do que é caminhar, mas foi um caminhar permeado de alegrias, tristezas e algumas frustrações, porque o “aparelho” às vezes quebrava a parte de alumínio, e eu ficava uma semana sem sair de casa e ir à escola, até que fosse consertado.

Aos dez anos o médico, que agora era o Dr. Fuas de Matos Sabino, após exames verificou que não precisava mais usar o cinturão pélvico, o que significou mais mobilidade para mim, eu já estava no terceiro ano primário na Escola São Francisco de Assis... Se eu sofri bullying quando criança? Não, meus colegas de escola eram meus vizinhos também, talvez por eles terem crescido junto comigo entendiam e respeitavam minha condição de pessoa com deficiência, e confesso para você, a deficiência nunca me impediu de ter uma infância muito saudável, lembro que brincávamos de pé-na-lata, mãe da rua, esconde-esconde, todas brincadeiras que eram usuais na época, até subir na jaboticabeira da casa da dona Carmem Pini, mas minha paixão era mesmo o carrinho de rolimã na ladeira da rua Afonso Pena, descíamos voando até o dia que fomos parar embaixo do caminhão do gás... Eu confesso que vivi e muitas emoções senti!

O bullying experimentei quando mudamos de residência, após 15 anos morando na mesma rua, foi um impacto muito ruim para toda família e para mim muito mais porque estava distante dos meus amigos, e naquela rua eu não conhecia ninguém, tinha um vizinho acho que era da minha idade, tentei fazer amizade com ele, ele era o líder da rua, mas também era maldoso, e começou a fazer piadinha de mal gosto pelo fato de eu andar com a perna direita dura por causa do aparelho ortopédico, e foi muito impactante para mim quando entendi o apelido pelo qual meu vizinho me chamava de Beckenbauer, que fazia referência ao técnico de futebol alemão e ele era manco. Até então eu não tinha consciência de como as pessoas me viam, isso fez brotar em mim um misto de sentimentos ruins, foi uma fase bem difícil da minha vida, tive que reconstruir meu emocional.

Aos 17 anos meu médico ortopedista que agora era o Dr. João Farah Neto, decidiu que já poderíamos começar as cirurgias de correção para eu deixar de usar o aparelho ortopédico, e assim dos 17 aos 21 anos, foram oito cirurgias de correção nas pernas esquerda e direita. Foi uma época de amadurecimento emocional para mim, porque além de lidar com as minhas dores físicas, também presenciei a dor, sofrimento e morte de pessoas que conheci ao longo desses quatro anos, mas nunca perdi o bom humor e a fé, estes sempre foram preservados por minha mãe que foi a maior e melhor psicóloga que conheci, além de minha melhor amiga, minha mãe sempre falava que eu podia fazer e ser quem eu quisesse, e até hoje tenho essa certeza na minha alma e coração.

Foi uma grande emoção me libertar do aparelho ortopédico e aos 21 anos poder sentir pela primeira vez sob meus pés a areia, a grama (pessoas com sequelas de poliomielite têm sensibilidade, mas não conseguem mexer o membro afetado pelo vírus), e também usar sandálias e sapatos lindos e femininos ao invés das botas ortopédicas grosseiras.

Aos 22 anos fui trabalhar, meu primeiro emprego foi em uma financeira do Banco BCN, isso 1984 trabalhei por seis meses e depois por meio de anúncio de jornal, trabalhei por 12 anos no setor de peças, com o controle de estoque, saí em 1996 quando a empresa faliu, depois também por anúncio de jornal entrei na Ceintel Segurança Eletrônica, fiquei nessa empresa por 3 anos, fui secretária e recepcionista, em 1999 fui trabalhar no IPEM – Instituto de Pesos e Medidas, fui administrativa por 3 anos, foi quando o hospital Beneficência Portuguesa de Bauru me chamou para uma entrevista para trabalhar com o que eu havia estudado (técnico contábil) e lá fui eu para mais uma conquista, comecei a trabalhar na contabilidade com contas médicas, foi um aprendizado gigante para mim, mas por um curto período.

Começo de 2001 meu joelho esquerdo desgastou e aproveitando minhas primeiras férias fui fazer um procedimento cirúrgico para postergar a colocação da prótese de joelho, tal procedimento não deu certo e tivemos que partir para a colocação da prótese de joelho, colocamos a primeira prótese e em semanas ela deslocou, e aí tivemos que partir para a prótese de reposição, a prótese de reposição tem encaixe no canal medular da tíbia, onde supostamente ela fica fixa e mais firme, e foi justamente em 2003 durante a cirurgia de reposição que fui contaminada por duas bactérias oportunistas que geraram na minha perna esquerda uma osteomielite muito agressiva, que me fez sofrer e combate-la por quatro anos, foi um tempo de muita dor, sofrimento e inseguranças, porque não sabia de fato o que aconteceria com minha perna, e isso foi determinante para me tornar uma pessoa mais forte e persistente do que sempre fui, e finalmente depois de quase quatro anos a infecção óssea zerou depois de muitos procedimentos cirúrgicos e muito antibiótico, tratamentos alternativos, enfim saí vencedora de mais essa batalha que a vida me impôs, só que essa vitória teve um peso grande, porque o médico precisou retirar a prótese, e com isso perdi 4cm da tíbia e a parte frontal do joelho, e isso me remeteu a ter que fazer uso de cadeira de rodas, mas em contrapartida eu não sentia mais dor e nem corria risco de amputar a perna e nem mais risco de vida.

A partir dessa época tive que repensar minha vida, se antes eu andava com dificuldade, fazendo uso de uma bengala para me apoiar, agora seria a cadeira de rodas meu apoio para minha locomoção, e posso afirmar com conhecimento de causa que estar na horizontal, ou seja, sentada em uma cadeira de rodas é muito mais limitante a mobilidade de qualquer pessoa, diante da falta de acessibilidade que começa dentro de nossa própria casa, é impressionante como não temos a dimensão de que um pequeno degrau de 20cm pode se tornar intransponível quando nos locomovemos na horizontal, fazendo uso de cadeira de roda, então imaginem no ambiente externo na cidade como um todo; nas calçadas sem acessibilidade, locais públicos e privados que não contemplam a todos é o que mais temos no mundo todo. Mas isso não significa que devemos nos acostumar e sempre dar um jeitinho quando a acessibilidade não existe e foi justamente isso que abriu meus olhos para uma nova perspectiva de luta.

Depois de dois anos como cadeirante já conhecia outras pessoas na mesma condição que eu, na horizontal e sobre rodas, em 2012 nos unimos e fundamos a Associação de Cadeirantes de Bauru e Região com o apoio do Dr. Paulo Eduardo de Souza que na época era vereador, com a criação da associação veio também a inauguração da quadra paradesportiva, um espaço esportivo com três quadras esportivas voltadas para a prática esportiva da pessoa com deficiência, aí surgiu naturalmente outras pessoas com deficiência que também descobriu na prática esportiva um meio de se sentir incluídos na sociedade, porque a real inclusão ainda está muito longe de ser uma realidade plena.

Criamos um time de Handebol adaptado, a treinadora foi a Maria Amélia que também treinava o time de handebol convencional. O esporte a meu ver é a segunda forma de inclusão social, a primeira é o mercado de trabalho, mas o esporte adaptado também é caro, para praticarmos uma cadeira esportiva custa caro, e infelizmente na época não tivemos o apoio da secretaria municipal de esportes, infelizmente os gestores não governam para todos, atendendo as necessidades particulares dos segmentos sociais, e assim o grupo de pessoas com deficiência se dissolveu, e coincidentemente conheci o Helder Gouveia, um professor de tênis diferenciado com visão inclusiva, e que começou um projeto chamado Tênis de Rodas, e eu fui sua primeira aluna, o projeto também não teve apoio do poder público, mas como o professor Helder é muito bem relacionado ele conseguiu por meio de doações comprar 8 cadeiras próprias para o tênis em cadeira de rodas, e assim o projeto cresceu, chegando a ter oito alunos.

Concomitante nesse meio tempo tive despertada em mim a consciência social de começar a participar do Conselho Municipal da pessoa com deficiência (COMUDE), e em 2013 fui eleita como coordenadora desse conselho e de lá até janeiro de 2024 estive na militância junto ao movimento social, meu horizonte também expandiu conheci o Conselho estadual e em 2014 comecei a participar como conselheira e hoje estou como vice-presidente.

Posso afirmar que adquiri muito conhecimento e consciência social para militar pelas pessoas com deficiência de Bauru e também do estado de São Paulo, é uma luta árdua onde também aprendi que a militância por direitos, pela política pública precisa estar de mãos dadas com a política partidária, porque os conselhos não têm poder resolutivo de decidir e fazer saírem do papel os projetos que dignificam a vida dos cidadãos.

Por todos esses motivos estou me engajando em um novo projeto de vida, pela militância estou como pré-candidata a vereadora pelo Partido Socialista Brasileiro – PSB, a política partidária é um mal necessário para que as políticas públicas aconteçam e se queremos ter voz e vez no organograma municipal precisamos de representação que verdadeiramente vista a camisa das necessidades das pessoas com deficiência, e também das demais demandas dos munícipes.

A luta pelo coletivo, assim como tudo nessa vida não se faz sozinho, então peço que você avalie a minha história de militância bem como minhas propostas e me apoie para a concretização da real inclusão, tornando nossa amada Bauru em uma cidade acessível para todos!